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Tive azar ao sentar-me ao lado desta criatura de Deus. E ele, pelos vistos, também tem muito azar. E o azar dele é que, aparentemente, o mundo se virou contra ele! Não é justo que as forças da natureza, o kharma e 6 mil milhões de pessoas estejam contra o meu vizinho de esplanada.
O meu azar foi apenas não ter outra mesa vazia se não a que ficava ao seu lado. Mas mesmo que tivesse uma mesa mais longe, a diferença não era muita, tal o volume com que falava ao telefone.
Para começar, a entidade patronal. Um clássico do queixume. Ora estes senhores tiveram o desplante de colocar um sistema de geolocalização na viatura que usa?! Está bem que a viatura até foi comprada pela entidade patronal, assim como todas as despesas da mesma estão a seu cargo, e com o intuito do senhor a usar para trabalhar, mas não se faz!
E agora ainda fizeram outra! Deram-lhe um smartphone com o simples intuito de usar também a geolocalização do mesmo para controlarem os seus movimentos, imagine-se, enquanto trabalha! Mas esta alminha não se deixa enganar e ouço-o gabar ao telefone "mas deixo-o no carro quando vou visitar os clientes"! Está bem visto! Assim vai aos clientes, mas ninguém na sede da empresa sabe que ele está a trabalhar! Tomem lá! Tem o inconveniente de, caso precise que falar com alguém enquanto está com o cliente, ter de ir ao carro fazer a chamada telefónica. Acaba por perder mais tempo e dá um ar de atrasado mental perante o cliente, mas o que é isso comparado com a humilhação de ser controlado pelas chefias durante o horário de expedientes?! E a figura de parvo que possa fazer também é ofuscada pelo aparelho dentário que este rapaz apresenta, cheio de aplicações em azul celeste, a fugir para o cyano (igual ao da minha sobrinha que tem 13 anos)... Dá-lhe um ar jovem e atrevido. Limita é um bocado a escolha do tom das gravatas para condizer, mas isso resolve-se...
Depois de 15 minutos nesta conversa ao telefone, termina a chamada com a brilhante frase "bom, mas não te quero maçar". Se não queria maçar, não ligava... Mas já vos ouço, caros 14 fiéis subscritores, a defender a personagem: "ah, ele estava só a ser simpático e educado... E se não podemos maçar os amigos, quem podemos maçar?" E dou-vos razão! Mas esta criatura gosta de maçar... E de massacrar!
E não estou a falar de cor... Entretanto chega a sua refeição e, no tom mais pedante que o seu aparelho ortodontário permitiu, vociferou "olhe, eu tinha pedido sem salada!" O mocinho que estava de serviço à esplanada (que por acaso é daqueles que corre muito mas que deixa um pouco a desejar quanto à sua eficácia) respondeu muito educadamente "peço desculpa. Vou pedir na cozinha que lhe arranjem outro prato". "Não vale a pena!", respondeu a alminha. Ora, faço eu um balanço deste episódio: se não valia a pena, porquê esse tom nas palavras?! Será do aparelho?! Não podia Sua Eminência referir no final da refeição que o pedido não correspondia ao que lhe tinham trazido, num tom de pessoa normal?
Não, não podia, respondo-vos eu. Porque é mais forte do que a sua vontade (mesmo que a tivesse - essa vontade de ser amável e educado). Como é que eu sei isto? Porque o senhor ligou para a esposa a seguir:
- Porque é que demoraste tanto tempo a atender? - foi a primeira pergunta controladora que a alminha, que não suporta ser controlada, fez à sua cara metade... Nem um "bom dia", "boa tarde" ou um singelo "olá"...
-... (Não sei sei a resposta a isto porque infelizmente a chamada não estava em alta-voz, e eu estava perto dele, mas não tão perto assim... Por essa razão, as frases da senhora sua esposa aparecerão neste relata apenas marcadas com travessão e reticências. Combinados fiéis subscritores?)
- E há bocado, porque não atendeste?
-... (Não ouvi, mas arrisco que deve ter sido qualquer coisa como "não ouvi o telefone a tocar"...)
- Isso dá para aumentar o volume, sabias? - e foi dito sem qualquer sorriso ou sinal de ser apenas uma piadinha ou brincadeira.
-...
- Mas só liguei para saber como está a menina... - como quem diz, "não me interessa como estás e não faças conversa fiada". Chamo também a atenção do caro leitor para a terminologia "menina", referindo-se a um ente querido... Tem classe.
- ...
- Mas podias ter-me ligado a dizer como é que a menina estava... Vá... Adeus. - e desliga o telefone
Coitada desta mulher... Coitadas destas pessoas... Lá em casa, tratar assim o outro - fosse eu para a T ou vice-versa -, com esta falta de consideração, implicava malinhas à porta... No mínimo haveria um pedido de explicações e um aceso debate acerca do respeito que os outros merecem apesar das eventuais divergências.
É uma gaita quando se está de mal com a vida e castigamos os outros por não conseguimos resolver os nossos problemas...